Therapies
"Pela educação que receberam, pelo meio cultural em que cresceram ou até pela sua própria personalidade, algumas pessoas fogem do envolvimento amoroso, quer tenham consciência disso quer não, escondendo-se atrás de desculpas e pretextos que na verdade apenas servem o propósito de não terem de se enfrentar a si próprias e às crenças que as limitam dentro de si. Quando uma pessoa viveu uma experiência amorosa traumática, enfrentou uma perda marcante na vida ou uma situação que a fez sofrer, pode desenvolver uma atitude de fuga aos relacionamentos, evitando dessa forma voltar a passar pela mesma dor. Contudo, não é possível fugirmos do amor e dos afectos. Todos os seres humanos possuem dentro de si uma propensão natural para se envolverem afectivamente com os outros, e mesmo quando pensamos estar a salvo, protegidos dentro das muralhas altíssimas que erguemos à nossa volta, podemos ser surpreendidos pelo amor e pelo desejo, qualquer que seja a nossa idade. Até ao fim da nossa vida, mantemos sempre a mesma capacidade de amar, de sentir paixão e de desejar partilhar aquilo que somos, a nossa vida, com outro ser. Não vale a pena fugir porque o amor não escolhe idades, e apanha-nos desprevenidos mesmo quando pensamos estar a salvo dele.A Mariana é uma das clientes mais queridas e mais antigas do meu consultório, que me consulta com frequência, sempre com a mesma inquietação no peito. Com 85 anos, possui a elegância e a distinção de uma senhora muito culta, que correu o mundo e que cresceu a ser tratada como uma princesa. Nascida em berço de oiro, no seio de uma família de classe alta, era a filha única de um médico conceituado. Fora uma filha muito desejada e sempre teve todo o carinho e atenção dos pais, sofrendo um duro golpe na sua vida quando, era ainda jovem, o seu pai morreu. Como a mãe não trabalhava, ao fim de algum tempo, mãe e filha deixaram de poder viver dos rendimentos e tiveram de se mudar de uma luxuosa vivenda para um apartamento mais modesto na cidade. Mariana frequentou o primeiro ano do curso de Medicina, seguindo as pegadas do pai, mas por falta de recursos financeiros, agora que a fonte dos rendimentos cessara, teve de abandonar os estudos, começando a trabalhar como secretária num escritório de advogados. Habituada a ser o centro das atenções, era uma jovem culta e espirituosa, sempre rodeada de amigos, homens e mulheres, com os quais viajou ao longo da vida pelo mundo inteiro. Contudo, Mariana não reservava na sua vida nem no seu coração lugar para o amor, pois estava segura na sua convicção que o homem da sua vida, o único que podia amar, fora o seu pai, que morrera. Vivia com a mãe, concentrada na carreira. Como nesse tempo, há décadas na nossa História, os homens adoptavam uma postura muito mais autoritária perante as mulheres, a quem não eram reconhecidos tantos direitos como agora, Mariana garantia que homem nenhum mandaria nela. Numa sociedade em que as mulheres ficavam geralmente em casa a criar os filhos e a servir o marido, Mariana destacava-se pela sua independência e impetuosidade. «Eu dizia sempre que não ia servir porque eu não nasci para servir, eu em casa sempre fui servida, Dra. Maria Helena!», repete-me muitas vezes quando me procura e reconta a história que a leva à consulta. A sua mãe morreu já Mariana estava também a entrar na terceira idade e desde então começou, finalmente, a sentir-se sozinha. Ao longo da sua vida, houve alguns homens que fizeram o seu coração bater mais forte, ou com quem sentiu uma maior afinidade ou empatia, mas nunca ao ponto de ir além disso, não tendo sequer beijado nem sido beijada por ninguém. Mariana sempre foi muito ciosa ao manter o seu coração, ferido pela morte do pai, a salvo de uma nova perda, preservado das emoções que o amor traz. Eis então que, aos 80 anos, Mariana sentiu pela primeira vez o coração bater como nunca antes havia sentido, despertando nela um estranho e avassalador sentimento pelo seu advogado, um senhor viúvo. Desde então, incapaz de declarar o seu amor e de confessar a sua paixão, Mariana acalenta a esperança de ser feliz com ele, inquietando-se com as questões que tantas vezes assolam o coração apaixonado: «Ainda vou ser feliz com ele?», «Vamos viver na minha casa? Ou vou eu para casa dele?». Independentemente daquilo que eu lhe diga através das leituras que faço das cartas de Tarot, Mariana é férrea no seu desejo de ser feliz com este homem por quem nutre um amor que não é capaz de assumir nem declarar, vivendo na eterna expectativa que ele o descubra e que confesse nutrir por ela os mesmos sentimentos, realizando enfim o seu desejo de união com outro ser e experienciando o seu primeiro beijo. A imensa ternura que Mariana, com a sua eloquência, a sua tenacidade e determinação, me inspira faz-me sempre reflectir sobre os mecanismos do amor e da atracção pelos outros seres. Se é bem verdade que o amor não escolhe idades e que nunca é tarde para amar, também é um facto que, em assuntos do coração e dos impulsos que nos movem, de nada nos serve fugir, pois o amor surpreende-nos sempre, mesmo quando julgamos estar completamente protegidos dele." Texto retirado do livro O Meu Segredo: Histórias da minha Vida, de Maria Helena. 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